Universidade Federal de São Carlos

11/14/2025 | Press release | Distributed by Public on 11/14/2025 08:18

Discurso de ódio contra nordestinos cresceu 821% nas eleições presidenciais, revela estudo


A um ano das eleições de 2026, um estudo recém-publicado alerta: a xenofobia contra nordestinos nas redes sociais cresceu 821% na última eleição presidencial, em 2022, apontando padrões de discurso de ódio recorrentes. A pesquisa quantificou pela primeira vez, com métodos computacionais, o fenômeno do preconceito regional nas redes sociais, analisando 282 milhões de tweets postados entre julho e dezembro de 2022.

O estudo revelou que à medida que o pleito eleitoral se aproximava, termos como "miserável", "analfabeto", "burro" e "ingrato" passaram a aparecer cada vez mais associados à palavra "nordestino" nas publicações do Twitter (atual X). No mês de outubro, quando ocorreram os dois turnos da eleição, a proporção de postagens mencionando o Nordeste triplicou em relação aos meses anteriores.

O trabalho foi desenvolvido pelo grupo Interfaces da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e publicado na revista científica GEMInIS (https://www.revistageminis.ufscar.br/index.php/geminis/article/view/878).

Metodologia revela padrões "invisíveis" ao olho humano
Para chegar a essas conclusões, a equipe de pesquisa utilizou técnicas avançadas de Processamento de Linguagem Natural (PLN), um ramo da inteligência artificial que permite aos computadores "entender" e analisar grandes volumes de texto. A metodologia funcionou como um microscópio digital capaz de examinar milhões de conversas simultaneamente, identificando padrões que seriam impossíveis de detectar manualmente.

Ao todo, os pesquisadores empregaram quatro técnicas computacionais complementares. A principal delas foi o algoritmo Word2Vec, que funciona como um mapeador de proximidade entre palavras. "Esse algoritmo classifica uma associação entre dois termos de 0% (nenhuma associação) a 100% (significado semântico igual)", explicam os autores Eanes Pereira, professor da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG); Gustavo Campos, bacharel em Ciência da Computação pela UFCG; e Sylvia Iasulaitis, professora da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e pesquisadora dos programas de pós-graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade (PPGCTS) e Ciência da Informação (PPGCI). Eles integram o grupo de pesquisa Interfaces (https://www.interfaces.ufscar.br).

O método permite identificar quais palavras aparecem frequentemente juntas no mesmo contexto. Se alguém escreve regularmente "nordestino" próximo a "ingrato", por exemplo, o algoritmo detecta essa associação e a quantifica. É uma técnica neutra que apenas mapeia padrões existentes nos textos, sem fazer julgamentos sobre seu conteúdo.

Os dados mostraram uma progressão temporal clara: em julho de 2022, início do período analisado, palavras neutras ou geográficas predominavam nas menções ao Nordeste - termos como "sertão", "interior" e nomes de estados. Em setembro, a palavra "pobre" saltou de uma associação de 57% para 67% com "nordestino". Em outubro, mês das eleições, surgiram pela primeira vez as palavras "ingrato" (64% de associação) e "analfabeto" (59%). O termo "burro" atingiu seu pico em novembro, com 10% de correlação.

Um detalhe metodológico importante é que as palavras pejorativas não foram pré-selecionadas pelos pesquisadores, mas sim surgiram espontaneamente da análise computacional dos dados. "Isso é uma evidência de que os textos coletados sob as condições desta pesquisa contêm sentenças que associam nordestinos e o Nordeste brasileiro às ideias associadas com tais palavras-chave", afirmam os cientistas.

Padrão histórico se repete em ciclos eleitoraisOs dados coletados pelos pesquisadores corroboram estatísticas da ONG Safernet, que opera em cooperação com o Ministério Público Federal. Segundo a organização, 2022 foi o terceiro ano eleitoral consecutivo com crescimento expressivo de crimes de ódio online. Além da xenofobia, que liderou o ranking com aumento de 821%, também cresceram os casos de intolerância religiosa (522%) e misoginia (184%).

O padrão xenofóbico identificado não é novo na política brasileira. O estudo contextualiza que manifestações similares ocorreram em 2010, quando Dilma Rousseff venceu as eleições presidenciais, em 2014, quando foi reeleita, e em 2018, quando 70% dos eleitores da região votaram no então candidato Fernando Haddad. Em todos esses casos, o Nordeste foi alvo de ataques virtuais.

"O preconceito regional no Brasil, especificamente contra o nordestino, se constitui em uma forma de xenofobia moderna", observam os pesquisadores. Eles explicam que esses discursos se ancoram em estereótipos históricos que remontam ao final do século XIX, relacionados a questões climáticas, econômicas e migratórias.

Brasil tem a terceira maior base mundial de dados políticos
A base de dados utilizada, denominada The Interfaces Twitter Elections Dataset (ITED-Br), representa a terceira maior coleção mundial de tweets com propósitos políticos. O conjunto inclui postagens que mencionavam os principais candidatos à presidência em 2022, coletadas através da API (interface de programação) oficial do Twitter. O grupo de pesquisa Interfaces tornou público o processo de construção da base (https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0316626) em fevereiro deste ano, em artigo na revista PLOS One.

Além do Word2Vec, os pesquisadores aplicaram técnicas complementares como "bag of words" (contagem de frequência de palavras), análise de distribuição de frequência e "word embeddings" (representação matemática de palavras em espaços multidimensionais). Essas ferramentas criaram um mapa detalhado das associações semânticas presentes nos discursos online.

O pré-processamento dos dados incluiu etapas técnicas essenciais: conversão para letras minúsculas (para uniformizar análises), tokenização (divisão em palavras individuais), stemização (redução às raízes das palavras) e remoção de caracteres especiais. Cada etapa foi documentada para garantir reprodutibilidade científica.

Plataformas têm tecnologia, mas não há regulação
Do ponto de vista legal, os pesquisadores observam que a aplicação da Lei 7.716/1989 (Lei Antirracismo) aos casos de xenofobia regional permanece limitada no Brasil. O estudo fornece evidências quantitativas que podem subsidiar discussões sobre regulação de plataformas digitais e políticas de moderação de conteúdo.

A Organização das Nações Unidas estabelece que a liberdade de expressão pode ser restringida quando há incitamento à discriminação, hostilidade ou violência baseada em ódio nacional, racial ou religioso. "Considerando que a violação à dignidade presenciada via discurso odioso e xenofóbico transcende a esfera dos direitos individuais, a mesma vulnera a democracia e a construção de uma sociedade justa, fundada na igualdade e na diversidade", argumentam os autores.

Os pesquisadores apontam que as plataformas digitais possuem tecnologia para detectar conteúdos problemáticos - similar à usada para identificar violações de direitos autorais - mas sua aplicação para combater discursos de ódio depende de decisões corporativas e regulatórias.

Mais informações
O artigo "Discursos de ódio em redes sociais: uma análise com processamento de linguagem natural" está disponível em https://www.revistageminis.ufscar.br/index.php/geminis/article/view/878. Mais informações sobre o grupo Interfaces podem ser consultadas no site interfaces.ufscar.br e no Instagram https://www.instagram.com/interfacesufscar.

Texto produzido pela jornalista Laís Cerqueira Fernandes, da assessoria de imprensa do grupo Interfaces. Mais informações podem ser solicitadas pelo e-mail [email protected].

Universidade Federal de São Carlos published this content on November 14, 2025, and is solely responsible for the information contained herein. Distributed via Public Technologies (PUBT), unedited and unaltered, on November 14, 2025 at 14:19 UTC. If you believe the information included in the content is inaccurate or outdated and requires editing or removal, please contact us at [email protected]