10/01/2025 | Press release | Distributed by Public on 10/01/2025 14:49
Excelentíssimo Senhor Presidente em Exercício da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados, Deputado Luiz Nishimori (PSD-PR),
Em nome de quem cumprimento às senhoras deputadas e senhores deputados,
Senhoras e Senhores,
É com satisfação que compareço à Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional novamente para debater temas de interesse desta Casa e da sociedade brasileira. Esta é, desde o início do terceiro mandato do Presidente Lula, a quinta vez que venho à Câmara e ao Senado, e a 19ª em toda minha trajetória se computadas todas as vezes em que aqui estive em audiências (15 vezes), incluindo os períodos de 2015 e 2016 em que ocupei o cargo de Ministro das Relações Exteriores, e sabatinas (4 vezes) para cargos diplomáticos, tendo sempre um intercâmbio franco e aberto com esta Comissão.
Minha disposição para o diálogo com o Congresso Nacional brasileiro é permanente e renovada.
Estive nesta Comissão há não muito tempo, ainda no final de maio, ocasião em que tive a oportunidade de tratar de temas específicos solicitados em requerimentos, assim como fazer um balanço da Política Externa Brasileira do governo do Presidente Lula até aquele momento.
No dia de hoje, pretendo repassar os últimos desdobramentos do cenário internacional e os eventos que mais diretamente impactam o Brasil desde maio passado - última vez desde que aqui estive. Considero relevante, ainda, fazer uma atualização das mais recentes iniciativas e entendimentos mantidos pelo governo do Presidente Lula, inclusive à luz dos encontros e eventos realizados durante a 80ª sessão ordinária da Assembleia Geral das Nações Unidas, ocorrida em Nova York na semana passada. A seguir, tratarei do tema da convocação contido no requerimento número 116/2025, de autoria do Deputado Marcel van Hattem (NOVO/RS), tratando, logo após, dos assuntos dos requerimentos aprovados pela Comissão para esta Audiência Pública, especialmente os requerimentos números de autoria dos Deputados Gustavo Gayer (PL/GO), Evair Vieira de Melo (PP/ES) e Marcos Pollon (PL/MS).
Senhoras e senhores deputados,
Vivenciamos hoje um contexto de graves tensões geopolíticas e de crises múltiplas - de governança global, de comércio internacional, de crise climática e de segurança - que convergem para abalar os alicerces da ordem mundial pós-1945.
As instituições internacionais criadas após a Segunda Guerra Mundial, que têm na Organização das Nações Unidas sua representação mais notória, encontram-se paralisadas em seu processo decisório, enfraquecidas e desrespeitadas por países que originalmente lhe deram origem e esteio.
Como resultado, conflitos e agressões que violam as mais basilares normas do direito internacional proliferam na Europa, na África e no Oriente Médio - neste último, com o massacre da população civil de Gaza e com a injustificável destruição do Estado Palestino, em confronto surgido após ataque terrorista do grupo Hamas, em 7 outubro de 2023. Dados conservadores registram em quase 67 mil o número de palestinos mortos. Segundo o ex-chefe das Forças de Defesa de Israel, general Herzi Halevi, que esteve à frente do comando nos primeiros 17 meses de enfrentamentos, as baixas atingiriam 10% da população de 2,2 milhões em Gaza, ou seja, mais de 200 mil palestinos mortos, sendo mais de um terço de mulheres e crianças, vítimas também da fome, que vem sendo instrumentalizada como arma de guerra.
A Organização Mundial do Comércio, que, na década de 1990, surgiu e consolidou-se com base nas regras do Acordo Geral Sobre Tarifas e Comércio (GATT), de 1947, encontra-se desacreditada e em crise institucional profunda, incapaz de mover-se, seja em seu pilar de solução de controvérsias, seja na vertente de negociação de novos acordos.
Podemos dizer que a ordem mundial como a conhecemos - ou, melhor, como a conhecíamos - está sendo desmontada, e justamente por aqueles que mais diretamente contribuíram para a sua formação.
Países que foram responsáveis e centrais para a configuração da governança global do pós-guerra de 1945, agora perseguem meios de atuação que passam ao largo dos mecanismos internacionais.
Tratam de forma bilateral questões como comércio e segurança internacionais, que, até então, eram objeto de abordagem multilateral.
As consequências disso sobre o já debilitado sistema multilateral de comércio são imensas. A recente "guerra tarifária" que presenciamos conduz as regras de comércio internacional a estágio não apenas anterior à OMC, mas ao período que antecedeu o próprio GATT de 1947.
Assistimos, em todas as regiões do mundo, à utilização de tarifas como meio de sancionar, intimidar e pressionar países a alinhamentos de política externa, bem como meio de interferir na economia nacional e subjugar instituições domésticas, em flagrante violação da soberania.
Em Nova York, no discurso de abertura da 80ª Assembleia Geral das Nações Unidas, o Presidente Lula reafirmou as sólidas credenciais democráticas do País e o compromisso de seu governo de manter o Brasil "como nação independente e como povo livre de qualquer tipo de tutela". Recordou o Presidente que a luta contra a fome, a pobreza e a desigualdade constitui nosso principal campo de batalha, sendo nossa mais recente vitória a confirmação de que o Brasil voltou a sair do Mapa da Fome neste ano de 2025.
Falando do púlpito da ONU, o Presidente Lula conclamou a comunidade internacional: a reduzir os gastos com armamentos e a aumentar a ajuda ao desenvolvimento, ciente de que apenas o desenvolvimento ataca as causas das guerras e dos conflitos; convocou a lutar contra a desigualdade dentro e fora das nações, cobrando mais impostos dos super-ricos; a regular as plataformas digitais, impedindo que a liberdade de expressão seja utilizada para promover intolerância, misoginia, xenofobia e desinformação, ou para encobrir interesses escusos e dar guarida a crimes; a preservar a América Latina e Caribe como zona de paz, livre de armas de destruição em massa, mas igualmente sem confundir criminalidade e terrorismo; a promover uma ampla e profunda reforma da governança global, como solução para o tratamento de antigos e novos desafios coletivos em matéria de paz e segurança, direitos humanos, desenvolvimento sustentável, mudança do clima, inteligência artificial, entre muitos outros.
O Presidente Lula fala não apenas o que o mundo quer ouvir, mas sobretudo o que o mundo precisa ouvir. Não por acaso, semana passada em Nova York, o Brasil registrou 115 solicitações de encontros bilaterais e 163 convites para participação em eventos sobre mudança do clima, paz e segurança, desenvolvimento, saúde, ciência e tecnologia, entre outros temas. Foram solicitações de bilaterais direcionadas majoritariamente ao Presidente da República e também a mim, como Ministro das Relações Exteriores, mas também a Ministros que integravam a delegação brasileira e a Secretários do MRE.
Senhoras e senhores deputados,
Em 201 anos de relacionamento diplomático, Brasil e Estados Unidos sempre souberam superar suas divergências por meio do diálogo. Consideramos muito positivo que o Presidente Lula e o Presidente Trump tenham podido conversar, ainda que brevemente, como foram também relevantes as referências elogiosas que o Presidente Donald Trump dirigiu ao Presidente Lula. Esses acontecimentos denotam uma nova disposição norte-americana, que evidentemente recebemos com agrado, e de que buscaremos nos valer para superarmos as medidas e sanções contra nosso País que contrastam com o histórico e a qualidade das relações que Brasil e Estados Unidos sempre mantiveram.
Como o Presidente Lula tem defendido, a busca do diálogo e do entendimento nos temas de caráter econômico e comercial não podem prescindir de uma conversa séria e consequente sobre comércio, que deve ser feita com base em dados concretos e na realidade dos fatos - que demonstram, como veremos, uma relação comercial com significativos benefícios aos EUA.
Nos últimos 15 anos, os EUA acumularam superávits recorrentes na balança comercial com o Brasil, perfazendo um total de US$ 160 bilhões de superávit em bens e de 410 bilhões de dólares em bens e serviços.
É importante mencionar que os EUA, até a aplicação das chamadas "tarifas recíprocas", concediam ao Brasil tratamento de nação mais favorecida, com tarifa média nominal de 3,3%, consolidada no âmbito da OMC. Por sua vez, a tarifa média efetivamente aplicada pelo Brasil aos EUA é de 2,7%. Esse valor refere-se à tarifa média efetivamente paga pelos importadores, o que é muito inferior ao perfil tributário global brasileiro consolidado na OMC.
Além disso, segundo a Câmara Americana de Comércio para o Brasil (AMCHAM), 47% das (importações) exportações norte-americanas para o Brasil entram sem tarifas (dentre as quais, 8 dos principais produtos exportados com tarifa zero), e ainda outros 15% de exportações sujeitas a alíquotas de no máximo 2%.
Portanto, não é verdadeira a alegação de que o Brasil trataria os EUA de modo discriminatório na comparação com outros países. Todas as tarifas brasileiras respeitam o princípio da nação mais favorecida, conforme regras da OMC, e não são aplicadas seletivamente, ao contrário do que têm feito os EUA.
As únicas exceções a essas regras são os países com os quais mantemos acordos de livre comércio ou de preferências comerciais, dentre os quais o México e a Índia, mencionados especificamente pelos EUA em suas queixas contra o Brasil, além de outros, como grande parte dos membros da Associação Latino-americana de Integração (ALADI).
Esses acordos, no entanto, estão integralmente em linha com as regras da OMC e com a prática multilateral do comércio.
Não há de parte do Brasil nenhuma ilegalidade no tratamento concedido sob estes arranjos, que funcionam de maneira similar ao tratamento discriminatório dado pelos EUA às exportações do México e do Canadá, países com os quais têm um acordo regional de comércio - o USMCA.
Senhoras e senhores deputados,
Razões expressamente políticas, relacionadas a processo judicial no Supremo Tribunal Federal, não encontram cabida em uma negociação entre Estados soberanos e independentes. Reitero, nesse sentido, o que disse o Presidente Lula em seu discurso de abertura das Nações Unidas de que: "Seguiremos como nação independente e como povo livre de qualquer tipo de tutela".
Não são aceitáveis medidas com pretensão extraterritorial, como tampouco se demonstram produtivas posturas agressivas em relação ao Supremo Tribunal Federal.
Como já mencionado, o Presidente Lula recebeu de maneira muito positiva as referências elogiosas feitas de improviso pelo Presidente dos EUA durante seu discurso perante a Assembleia Geral das Nações Unidas no último dia 23, porque abrem uma perspectiva do diálogo.
Senhoras e senhores deputados,
Sem jamais abrir mão da disposição para o diálogo naquilo que não confrontar com a nossa soberania, permaneceremos atuando em diversas frentes para fazer face à presente situação. E aqui peço licença para já tratar da questão apresentada no requerimento número 153, do deputado Evair Vieira de Melo, que solicita esclarecimentos sobre as ações diplomáticas adotadas no contexto do Plano Brasil Soberano, inclusive sobre as negociações bilaterais com os Estados Unidos, ações formais na OMC e outros foros.
É importante frisar, nesse particular, conforme mencionei anteriormente, que os dados e fatos acima - derivados de estatísticas brasileiras e norte-americanas públicas - comprovam, de modo eloquente, que a decisão unilateral dos EUA de impor tarifas de 50% em parte significativa dos produtos brasileiros, de forma punitiva, é medida sem lastro na relação comercial entre os dois países.
Desde o início do ano, o Presidente Lula permaneceu inabalável na busca incessante do diálogo e da negociação, sempre tratando de demonstrar a realidade dos fatos e as vantagens de uma negociação para ambos lados, como demonstraram as conversas que o vice-presidente Geraldo Alckmin (também Ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços) e eu mesmo mantivemos com autoridades norte-americanas em diversos níveis.
De minha parte, mantive reuniões online com o Representante Comercial dos Estados Unidos (USTR) em ao menos duas ocasiões, entre março e abril. E o Vice-Presidente Geraldo Alckmin também o fez em relação ao Secretário de Comércio daquele país. E, ainda, a missão de negociação enviada aos EUA em março e a realização de 11 reuniões com autoridades estadunidenses entre março e julho.
Em 16 de maio, enviamos aos EUA proposta indicando áreas em que poderíamos entabular negociações, que incluíam vários temas que foram objeto de queixas registradas por aquele país nos relatórios do Representante Comercial (USTR) sobre o comércio bilateral, embora inverídicas e injustificáveis.
Essa proposta que mandamos, no entanto, jamais foi respondida.
Em 30 de julho de 2025, mantive encontro com o Secretário de Estado norte-americano em Washington, ocasião em que pude expressar novamente, de forma reservada, as posições brasileiras e a avaliação negativa sobre a forma e o conteúdo das declarações vindas dos EUA.
A sequência de eventos que aqui descrevo demonstra as oportunidades de diálogo buscadas ativamente pelas autoridades brasileiras, inclusive com apresentação de proposta, e revela, principalmente, que não faltaram ocasiões para que o diálogo pudesse ter prevalecido sobre determinações unilaterais.
Por ora, e até que se encontre uma solução mutuamente satisfatória a ambos países, nos deparamos com a imposição de tarifas unilaterais, que evidentemente não se coaduna com o robusto e histórico superávit comercial que os Estados Unidos mantêm com relação ao Brasil. Diante dessa situação, o governo brasileiro convocou imediatamente uma reunião de coordenação interministerial e promoveu consultas com o setor privado, em um processo decisório que conduziu à adoção de uma série de providências e contramedidas que são objeto do requerimento 153 do deputado Evair Vieira de Melo e que a seguir passo a elencar:
I. a adoção do Plano Brasil Soberano, para fomentar a resiliência do setor exportador brasileiro e a sustentação do emprego e da renda dos trabalhadores, incluindo medidas de ampliação e facilitação de crédito a exportações, restrições de tributos e ampliação de compras públicas de alimentos;
II. a adoção da Lei da Reciprocidade (no. 15.122/25) e sua regulamentação (decreto no. 12.551/25), para permitir procedimentos e consultas para possíveis respostas comerciais a ações lesivas aos interesses econômicos do País;
É importante destacar que a aprovação e a regulamentação da Lei de Reciprocidade foram feitas por unanimidade em ambas as casas do Parlamento.
Retomando a lista das medidas e providências tomadas pelo Brasil:
III. a apresentação de consultas no dia 6 de agosto, no marco da Organização Mundial do Comércio, de modo a demonstrar que a aplicação das tarifas recíprocas e a abertura de investigação com base na Seção 301 não estão em consonância com as regras multilaterais de comércio.
IV. a apresentação de comentários escritos pelo Ministério das Relações Exteriores, no dia 18 de agosto, no âmbito da investigação da Representação Comercial dos EUA sob a referida Seção 301, na qual defendemos as diversas práticas brasileiras objetos de questionamentos.
Dito esforço envolveu ampla e incansável coordenação do Ministério das Relações Exteriores junto a cerca de 40 órgãos da administração federal .
A Seção 301 é instrumento unilateral inconsistente com a Organização Mundial do Comércio. Nossa participação ao enviar comentários não implica reconhecimento da jurisdição do procedimento, razão por que o Brasil se reserva todos os direitos na OMC para contestações.
A nova Lei da Reciprocidade, cuja aprovação contou - como já disse - com o total apoio desta Casa e do Senado Federal, nos auxiliará a encontrar solução mutuamente satisfatória para as questões econômico-comerciais que envolvem os EUA. É mais do que legítimo que o Brasil tenha lançado mão da nova Lei da Reciprocidade contra o tratamento unilateral das sanções do governo norte-americano contra empresas brasileiras. Por isso, como membro da CAMEX, e contando com a aprovação do Presidente Lula, o Ministério das Relações Exteriores encaminhou à Secretaria-Executiva da CAMEX, no dia 29/7, pleito com justificativa para sua utilização.
De acordo com os ritos e prazos da Lei da Reciprocidade brasileira, nos encontramos precisamente desde a notificação em período de negociações continuadas com os EUA, que podem se estender por até cerca de 210 dias. Esse longo processo, que poderá ser encurtado ou acelerado a depender da dinâmica das conversações entre os dois países, tem o propósito de abrir espaço para o diálogo e oferecer tempo adequado a negociações entre Brasília e Washington, com a oportuna assistência do setor privado brasileiro.
Senhoras e senhores deputados,
Na relação com os EUA, seguiremos insistindo na necessidade de separarmos questões comerciais das questões políticas. Esse é o único caminho possível para que a situação presente possa encontrar solução satisfatória.
E, para isso, é de fundamental importância a atuação de todos os brasileiros.
É necessário que se façam chegar às contrapartes norte-americanas a gravidade da situação e a necessidade de buscar sensibilizar as autoridades do governo daquele país quanto aos prejuízos para ambos os lados. A delegação de senadores brasileiros que esteve em Washington, de 26 a 30 de julho último, fez um gesto muito importante nesse sentido. A composição plural e o propósito suprapartidário da delegação de senadores brasileiros de buscar diálogo e negociação com os Estados Unidos revelam, em muitos sentidos, a solidez das nossas posições.
A defesa dos interesses econômicos e comerciais do Brasil é uma causa que diz respeito a todos os brasileiros. Essa defesa seguirá sendo firme mas serena, baseada em dados concretos e fidedignos, sem provocações ou confrontações estéreis, cientes todos que estamos da importância de buscar soluções mutuamente benéficas e de preservar as excelentes e proveitosas relações que Brasil e Estados Unidos mantêm há mais de dois séculos.
Senhoras e senhores deputados,
O Requerimento n. 116, do Deputado Marcel Van Hattem, pede esclarecimentos sobre "a postura adotada pelo governo brasileiro e pelo Itamaraty diante da condenação da ex-presidente argentina Cristina Fernández de Kirchner", e, mais especificamente, a visita do Senhor Presidente Lula à ex-Presidente Cristina Kirchner, em 03 de julho de 2025.
Aqui passo, portanto, a responder a alguns dos convites e convocações.
Comento, a respeito, que a visita do Presidente Lula à ex-Presidente Cristina Kirchner, em 03 de julho de 2025, teve caráter absolutamente privado, tendo sido solicitada pelos advogados da ex-Presidente argentina e autorizada pelo Tribunal Oral Federal Criminal no. 2 de Buenos Aires, em decisão proferida em 2 de julho de 2025.
A visita do Presidente Lula à ex-mandatária ocorreu no curso da viagem que realizava o Presidente Lula a Buenos Aires para participar da LXVI (66a) Cúpula de Chefes de Estado do MERCOSUL, e não incorreu em gastos adicionais.
Permitam-me recordar que são muitas as afinidades e os laços naturalmente formados entre chefes e ex-chefes de Estado, especialmente no contexto das muitas reuniões de trabalho e encontros de cúpula para o fortalecimento do MERCOSUL, a criação da UNASUL e da CELAC, dentre outras muitas iniciativas de que participou o Presidente Lula entre 2003 e 2010, como o G20 e a ONU, e que demandaram a permanente construção de confiança entre líderes da estatura do ex-Presidente Néstor Kirchner e da ex-Presidenta Cristina Kirchner, como também do ex-Presidente Pepe Mujica do Uruguai, nominalmente recordado pelo Presidente Lula em seu discurso perante a Assembleia Geral das Nações Unidas na semana passada.
Essa dimensão pessoal e humana que o Presidente Lula empresta às relações com Chefes de Estado foi reconhecida inclusive pelo Presidente Donald Trump, tendo sido o Presidente Lula o único em todo o discurso do mandatário norte-americano a ter merecido citação nominal. Cuidar das relações pessoais, da forma que o faz o Presidente Lula, com respeito e confiança, apenas contribuem para a condução responsável e pragmática dos assuntos de Estado, e isso vale também para a Argentina.
Nossas sólidas relações com o Estado argentino têm, entre outros marcos, a tradicional cooperação nuclear de mais de três décadas com a Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (ABACC), assim como os 34 anos de nossa cooperação econômico-comercial no âmbito do MERCOSUL.
As relações com a Argentina são estratégicas para o Brasil e independem de governos, o que requer diálogo permanente com todos os atores políticos e sociais do país vizinho. A despeito das claras diferenças de posição entre os atuais governos, o Estado brasileiro - já durante este governo do Presidente Milei - não se furtou a prestar apoio à Argentina, quando solicitado, por meio da assunção da custódia da Embaixada argentina em Caracas. Outro exemplo de apoio foi o fornecimento emergencial de gás natural liquefeito (GNL) em contexto de crise de desabastecimento de gás que acometeu a Argentina no primeiro semestre de 2024, a qual pôde ser superada com o fornecimento de gás brasileiro pela PETROBRAS. Cito estes exemplos apenas como demonstração da isenção e profissionalismo com que a política externa brasileira tem sido conduzida pelo Presidente Lula, mantendo ao abrigo de intempéries circunstanciais, os mais altos interesses nacionais do Estado brasileiro, especialmente no que diz respeito a nossa vizinhança.
Senhoras e senhores deputados,
Trato agora do requerimento número 70/2025, de autoria do deputado Gustavo Gayer, a respeito da dívida da Venezuela com o Brasil.
Essa dívida corresponde a cerca de 1,8 bilhão de dólares, incluindo 1,27 bilhão de dólares em parcelas atrasadas e 529 milhões de dólares em juros, segundo dados de 31 de julho último.
Esses valores fazem referência ao financiamento de exportações de produtos e serviços brasileiros para a Venezuela, amparadas pelo Seguro de Crédito à Exportação e ao Fundo de Garantia às Exportações (SCE/FGE), abrangendo principalmente os setores de infraestrutura e energia. Foram, frise-se, financiamentos visando ao desenvolvimento dos setores brasileiros de infraestrutura e energia, por meio do estímulo à expansão internacional de suas atividades em país vizinho.
Os valores relativos aos produtos e serviços exportados já foram devidamente indenizados aos produtores brasileiros com recursos do Fundo de Garantia às Exportações (FGE).
O Brasil tem todo interesse na retomada dos pagamentos da dívida venezuelana, e o governo da Venezuela havia sinalizado, no passado, a intenção de voltar a honrar seus compromissos financeiros com o país. Em julho de 2023, foi instalada uma mesa de negociação da dívida, composta por especialistas e técnicos dos dois lados.
Nos trabalhos da mesa de negociação, houve avanços na conciliação dos dados de ambas as partes, e não foram identificadas divergências significativas entre os dois países.
A Venezuela não tem engajamento direto com o Clube de Paris, o que dificulta não apenas nossas gestões bilaterais, como também o encaminhamento de uma solução sistêmica para o pagamento da dívida. Para relacionar-se com o Clube, a Venezuela teria que normalizar sua relação com o Banco Mundial ou o FMI, o que não parece factível no curto prazo. Outra dificuldade diz respeito às sanções unilaterais atualmente impostas ao sistema financeiro venezuelano, que na prática inviabilizam remessas e pagamentos para fora daquele país.
O governo brasileiro seguirá engajado em buscar todas as medidas possíveis para encaminhar a questão, tanto bilateralmente quanto nos foros multilaterais, a exemplo das ações tomadas recentemente.
Senhoras e senhores deputados,
Passo agora aos requerimentos 130, 132, 142 e 147, de autoria do Deputado Evair Vieira de Melo.
A respeito da suposta presença de líderes do Hezbollah no Brasil, o Ministério das Relações Exteriores não conta com informações que permitam corroborar tais alegações.
O tema da presença do Hezbollah no Brasil, particularmente na Tríplice Fronteira com a Argentina e o Paraguai, tem sido objeto de especulações há cerca de 20 anos, sobretudo de funcionários dos Estados Unidos. Alegações do lado americano não são comprovadas pelos fatos.
Investigações de natureza idêntica são também conduzidas, com elevada competência, pela Polícia Federal e pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, que são os dois principais órgãos responsáveis por investigar, combater e neutralizar ações terroristas no país. Ambas cooperam com as agências policiais e de inteligência dos EUA e com elas mantêm intercâmbio ativo e frequente sobre esse e outros assuntos correlatos. Porém, não há evidências robustas - e repito, não há evidências robustas - de que aquele grupo tenha presença no Brasil.
O Brasil tem inteira disposição em cooperar com parceiros internacionais no combate ao crime organizado e ao terrorismo. Achamos preocupante, no entanto, a equiparação entre criminalidade e terrorismo. Usar força letal em situações que não constituem conflitos armados equivale a executar pessoas sem julgamento. Esse tipo de unilateralismo, ademais, incita a extraterritorialidade da ação repressora de outros países, e estigmatiza minorias, com impactos reais para cidadãos brasileiros no exterior.
Assistimos hoje na América Latina e Caribe a instrumentalização do "combate ao terrorismo" para justificar sanções e invasões em outros países. Não podemos aceitar narrativas não verificadas como se fossem fatos, nem alegações que sirvam a lógicas extemporâneas e alheias aos interesses nacionais ou que possam, porventura, justificar ações que afrontem nossa soberania e a vida de cidadãos brasileiros.
A segurança pública na Tríplice Fronteira é tema perene de cooperação entre o Brasil e seus vizinhos. O ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, assinou recentemente, com seus homólogos de Argentina e Paraguai, um novo acordo de cooperação policial para renovar o Comando Tripartite da Tríplice Fronteira, que é uma estrutura permanente de cooperação entre os três países com foco no combate ao crime organizado transnacional.
Esse trabalho profissional constante e persistente das forças brasileiras reforça a constatação de que não há evidências suficientes que corroborem essa alegação de que o Hezbollah esteja presente na região, de modo que espero ter respondido à inquietação da consulta.
Senhoras e senhores deputados,
Com relação ao requerimento no 132, a respeito das relações com a Ucrânia, gostaria de reiterar alguns fundamentos da política externa do governo do Presidente Lula e referir-me a fatos que evidenciam que o Brasil de modo algum se encontra em situação que possa se assemelhar, nem mesmo remotamente, a um isolamento diplomático.
A melhor tradição diplomática brasileira consolidou-se bem cedo, com o Barão do Rio Branco, cujo busto nos acompanha nesta sala, com quem aprendemos que alinhamentos ideológicos não atendem aos interesses do nosso País.
Uma política externa autônoma se constrói com base na diversificação de parcerias, não em relacionamentos preferenciais. Desde o início do governo, os êxitos que temos colhido em política externa têm demonstrado que uma postura pragmática é o caminho mais acertado.
Desde a posse em 2023, o Presidente Lula manteve reuniões bilaterais com chefes de estado e de governo de mais de 70 estados. Em intervalo de duas semanas, no mês de agosto, o Presidente Lula conversou por telefone com três - dos cinco - membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU. No dia 5 de setembro, conversou com a presidenta da União Europeia, Ursula von der Leyen, com quem articulou a importância de acelerar a entrada em vigor do Acordo Birregional entre o Mercosul e a União Europeia.
Na semana passada, por ocasião da 80ª sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, ademais de encontros de alto nível mantidos com a Suécia, o Peru e o Secretário-Geral da ONU, o Presidente Lula reuniu-se também com o Presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, a quem reiterou a posição brasileira favorável a que os interesses de segurança de todas as partes sejam contemplados e que a Ucrânia seja consultada e participe plenamente da negociação dos termos de um futuro acordo de paz, a respeito do qual, inclusive, Brasil e China possuem uma proposta. A conversa com o Presidente Lula foi elogiada pelo Presidente Zelensky e ambos acordaram seguir em consultas. Ao final do encontro, o Presidente Zelensky declarou à imprensa: "sou grato a Lula por se posicionar pela paz".
O encontro com o Presidente Zelensky deu continuidade a uma série de contatos e reuniões que mantemos regularmente com o governo ucraniano, a exemplo do anterior encontro dos Presidentes Lula e Zelensky também à margem da Assembleia Geral, em 23 de setembro de 2023, e antes disso, da videochamada com o líder ucraniano em 2 de março daquele mesmo ano, apenas meses após o Presidente Lula assumir o Palácio do Alvorada.
Eu mesmo mantive, em junho deste ano, encontro com o ministro do Exterior ucraniano, Andrii Sybiha, na Croácia, à margem do Foro de Dubrovnik. Foi o segundo encontro com meu homólogo ucraniano, que assumiu o cargo há um ano (5 de set-2024). Além desses encontros presenciais, conversamos por telefone em seis ocasiões, a mais recente das quais há um mês (11-ago). Uma média de um telefonema a cada dois meses, portanto.
Mantive interlocução frequente também com o antecessor de Sybiha, Dmytro Kuleba. Reuni-me com ele menos de dois meses após ter assumido meu cargo (18-fev-2023). Conversamos por telefone em outras ocasiões, antes que ele deixasse o governo.
Um "observador passivo de conflitos graves" (formulação do requerimento) certamente não teria promovido com a China, em setembro do ano passado, uma reunião de alto nível, em Nova York, que lançou o Grupo de Amigos da Paz, com treze países em desenvolvimento, e mais a participação como observadores, a pedido, de Suíça, França e Hungria.
Menciono esses contatos - dentre tantos outros - apenas para ilustrar o respeito internacional de que o Brasil goza atualmente. Para que se tenha uma referência, durante esta última sessão ordinária da Assembleia Geral da ONU, que já mencionei, o Brasil registrou 115 solicitações de encontros bilaterais (dos quais 80 de chefes de Estados membros da ONU) e 163 convites para participação em eventos sobre mudança do clima, paz e segurança, desenvolvimento, saúde, ciência e tecnologia, entre outros temas multilaterais. A maioria das solicitações foi direcionada ao Presidente Lula e a mim, na condição de Ministro das Relações Exteriores. O último presidente de quem me recorde que tenha mantido esse nível e essa abrangência de interlocução foi o próprio Presidente Lula em seus dois primeiros mandatos.
Com o governo do Presidente Lula, o Brasil recuperou o universalismo de nossa política exterior, e o fez sem prejuízos, tampouco, ao relacionamento com nossos parceiros tradicionais. Durante a presente gestão, visitaram o Brasil os chefes de estado ou de governo de Alemanha, França, Espanha, Itália, Portugal, Croácia, Países Baixos, Dinamarca, Eslováquia, Finlândia, Santa Sé, tendo sido o Presidente Lula neste ano novamente convidado para uma Cúpula do G7, realizada em julho deste ano. Foi o 11º convite recebido pelo Presidente Lula para participar de reuniões desse grupo de nações desenvolvidas. Desconheço outro líder no mundo que tenha recebido tantos convites para o G7 quanto o Presidente Lula. Não é por acaso que o Presidente Lula seja um líder cujas palavras e ações possuam alcance global.
Por fim, com relação à troca de embaixador da Ucrânia no Brasil, os Senhores sabem que esse é um processo que tem uma liturgia própria e obedece aos tempos administrativos de cada chancelaria. O anterior embaixador ucraniano desligou-se oficialmente de suas funções em Brasília em maio último e foi designado Representante Permanente da missão daquele país junto às Nações Unidas em Nova York. Em seu lugar, responde pela Embaixada um encarregado de negócios, não existindo, até o momento, pedido de agrément por parte do governo ucraniano. Por essas e outras razões, portanto, não deveria causar estranhamento que siga por ora vacante a titularidade da embaixada ucraniana.
Senhoras e senhores deputados,
Gostaria de tratar agora do requerimento n. 142, que pede esclarecimentos acerca das razões que motivaram a decisão do Governo do Presidente Lula de retirar o Brasil da Aliança Internacional para a Memória do Holocausto (IHRA).
A carta encaminhada pelo governo brasileiro solicitando adesão à iniciativa em 2020 está eivada de erros de forma que colocam em questão o próprio status jurídico do instrumento. A manifestação de interesse de adesão foi feita sem assinatura de instrumento de adesão e sem consulta prévia ao Congresso Nacional, como supõe toda adesão que implique compromisso gravoso ao Estado brasileiro. Como consequência desse vício de origem, tampouco houve previsão orçamentária por parte do Congresso brasileiro para a despesa com a contribuição à IHRA, deixando o Executivo brasileiro vulnerável a justos questionamentos por parte dos órgãos de controle.
Por conta dessa situação, a retirada do Brasil da IHRA, em 18 de julho último, como estado observador, obedeceu precipuamente a motivações de ordem legal, já que as dificuldades jurídicas para o pagamento da contribuição financeira anual do Brasil derivavam da ausência de fundamentação jurídica do ônus ao Erário.
Outra razão para a retirada é a forma pouco consensual com que a IHRA afere os casos de antissemitismo no mundo. Seus métodos de aferição recebem críticas principalmente de organizações judaicas, como por exemplo a Aliança da Diáspora (Diaspora Alliance), que considera que a definição da IHRA se presta a ambiguidades, confusões e generalizações fáceis e, portanto, prejudica a própria luta contra o antissemitismo. Como reação à IHRA, há um grupo de 210 estudiosos e especialistas (no campo da história do Holocausto, de estudos judaicos e do Oriente Médio) que propôs em 2021 um conjunto de definições muito precisas sobre o que deve e o que não deve ser considerado antissemitismo. Essas definições encontram-se compiladas na Declaração de Jerusalém, que se tornou uma referência muito utilizada por membros de dentro e de fora da comunidade judaica ao redor do mundo. Atualmente, chega a 370 o número de especialistas signatários da Declaração de Jerusalém.
O dado importante a reter aqui é que a total falta de clareza da definição da IHRA quanto aos limites do discurso e da ação política legítima em relação ao Sionismo, a Israel e à Palestina tampouco recomendou a manutenção do Brasil entre os signatários da IHRA.
Aos críticos dessa decisão do governo brasileiro, é importante relembrar nosso histórico apoio à causa de Israel e esclarecer que, para o Brasil e para este governo, o antissemitismo deve ser combatido e merece nosso absoluto e total repúdio. O governo brasileiro não pode, no entanto, se furtar a expressar suas mais sérias reservas à politização e à manipulação dessa questão no seio da IHRA. Da mesma forma, não estamos de acordo com a instrumentalização do antissemitismo para inibir críticas contra as graves violações de direitos humanos e ao direito internacional humanitário na Faixa de Gaza e na Cisjordânia cometidas pelo atual governo israelense.
Aceitar que a crítica às políticas adotadas pelo Estado de Israel seja equiparada a antissemitismo equivaleria a acusar milhares de cidadãos israelenses, judeus, que se opõem ao governo do Primeiro Ministro israelense, também de serem antissemitas. O que é, evidentemente, um contrassenso.
Senhoras e senhores,
Com relação ao requerimento 147, a respeito de suposta interferência de órgãos e entidades estrangeiras nas eleições presidenciais brasileiras, não cabe dúvida quanto ao fato de que as eleições de 2022, que deram vitória ao presidente Lula, foram realizadas de forma livre, justa, transparente e totalmente auditável.
As diversas missões de observação eleitoral, tanto nacionais quanto internacionais - inclusive a Organização dos Estados Americanos (OEA), o PARLASUL e o instituto norte-americano Carter Center, atestaram o reconhecimento internacional à lisura, transparência e normalidade com que se portou a Justiça Eleitoral brasileira e com que transcorreram as eleições no Brasil em 2022. Os resultados foram reconhecidos pela totalidade da comunidade internacional, inclusive o governo dos EUA à época.
Sobre a alocação dos recursos de assistência oficial dos EUA, não há qualquer irregularidade apontada com relação à cooperação oficial com a Agência Brasileira de Cooperação (ABC). Tampouco existem quaisquer evidências que apontem interferência de estados estrangeiros ou quaisquer outras organizações no sistema eleitoral brasileiro. Entendo que esta Comissão escutou e debateu as declarações do ex-funcionário do Departamento de Estado norte-americano, o senhor Mike Benz, mas suas apresentações a esta Comissão e a diversos meios não passaram de acusações vagas, sem apresentação de provas ou indícios, que apenas levantam suspeitas e alegações infundadas sem qualquer embasamento em evidências confiáveis.
Senhoras e senhores deputados,
Me refiro, por fim, ao requerimento número 162, que indaga sobre as razões de o Ministério das Relações Exteriores não ter mencionado o Hamas na nota à imprensa número 380, deste ano, a respeito da situação de fome na Faixa de Gaza.
Não há menção ao Hamas na nota do Ministério simples e tão-somente porque o objeto da nota não diz respeito às ações do Hamas, mas sim à situação criada pelas severas restrições impostas pelo governo israelense à entrada e distribuição de ajuda humanitária na Faixa de Gaza.
A referida nota manifesta a preocupação do Governo Brasileiro com os fatos descritos pelo Comitê que reúne 21 organizações e instituições intergovernamentais, incluindo a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Banco Mundial, entre outros. Esse Comitê, cujo nome completo é Comitê de Revisão da Fome, da Classificação Integrada de Fases de Segurança Alimentar (IPC), confirma em seu relatório que a situação de fome é crônica em Gaza e entorno, com mais de 500 mil pessoas enfrentando, e cito: "condições catastróficas de fome, indigência e morte".
Gostaria de deixar claro que o Itamaraty manifestou-se, desde os primeiros momentos após os ataques de 7 de outubro de 2023, em condenação dos atos terroristas perpetrados pelo Hamas. Essa posição foi expressa, de forma enfática, em declarações do Presidente Lula e em minhas próprias, assim como em inúmeras outras notas divulgadas pelo Ministério.
O Ministério tem reiterado também, de forma consistente, em comunicados à imprensa e em declarações públicas, a posição do Brasil em favor de um cessar-fogo permanente na Faixa de Gaza, incluindo a libertação de todos os reféns israelenses remanescentes. Essa posição foi, inclusive, manifestada nessa mesma nota a que se refere o requerimento.
A defesa do cessar-fogo se soma à tradicional e enfática defesa do Brasil em favor da solução de dois Estados, com um Estado da Palestina independente e viável, convivendo lado a lado com Israel, em paz e segurança, dentro das fronteiras de 1967, o que inclui a Faixa de Gaza e a Cisjordânia, tendo Jerusalém Oriental como sua capital. É, por sinal, posição tradicional do Brasil há muitas décadas.
Na semana passada, durante a 80ª sessão ordinária da Assembleia Geral da ONU, o Presidente Lula e eu participamos de conferência de líderes e ministros, coordenada pela Espanha e Jordânia, e eu mesmo depois em reunião de apoio à Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Oriente Próximo (UNRWA), ocasiões em que reforçamos o compromisso brasileiro com a implementação da solução de dois Estados, com o fim imediato do genocídio em Gaza e com a proteção dos direitos do povo palestino. Registre-se, ademais, que a última Assembleia Geral da ONU anotou dez novos reconhecimentos internacionais ao Estado Palestino, dentre os quais França, Reino Unido, Portugal, Canadá, Austrália e Bélgica, entre outros, que elevaram para 159 o número total de países que reconhecem oficialmente a Palestina.
A manutenção dessa posição é uma das formas que o Brasil adota para contribuir equilibradamente para o restabelecimento da paz na região. Há ainda inúmeras outras iniciativas ao longo dos anos, em favor da promoção do diálogo entre as partes e mesmo no sentido do envio de ajuda humanitária.
Por fim, o requerimento questiona "quais fundamentos embasaram a utilização de dados não validados por autoridades israelenses". O fato é que o atual governo de Israel, sendo a potência ocupante em Gaza e na Cisjordânia, reproduz apenas aqueles dados que lhe interessam em sua campanha de ocupação e beligerância, o que torna pouco confiáveis os dados que produz. Volto a citar o fato de que um ex-comandante das Forças de Defesa de Israel comentou, após 17 meses à frente do comando da forças de ocupação, que cerca de 10% da população da Faixa de Gaza teriam sido vitimados pela ocupação, o que eleva as mortes para cerca de 200 mil. São preferíveis, neste caso específico, os dados produzidos por coalizões de especialistas ilibados ou de organizações respeitadas, como é o caso do IPC, para melhor aferir a realidade na região.
Espero que, com esses elementos apresentados, possa ter respondido ao interesse de Vossas Excelências nos requerimentos que me foram encaminhados.
Senhoras e senhores,
Passo agora a abordar o requerimento 179 do Deputado Marcos Pollon, relativo a declarações do Ministro de Minas e Energia Alexandre Silveira sobre a necessidade de o Brasil contar com defesa nuclear. No meu entendimento, assumo que se tratou de especulação decorrente de resposta a jornalistas na saída de um evento, em que o Ministro Alexandre Silveira referiu-se ao que poderia implicar um hipotético debate legislativo a respeito da soberania nacional sobre a energia nuclear no atual contexto internacional.
Dito isso, não pode haver dúvidas sobre o compromisso histórico do Brasil e o compromisso do governo do Presidente Lula com o uso exclusivamente pacífico da energia nuclear, conforme mandato do povo brasileiro consagrado na Constituição Federal de 1988 (em seu art. 21, inciso XXIII, alínea a) e confirmadas nas obrigações assumidas pelo País em tratados internacionais, no âmbito do regime de desarmamento e não proliferação nuclear.
O Brasil, como sabem, é Parte de três instrumentos internacionais voltados à não proliferação nuclear: (1) Acordo Bilateral com a Argentina sobre Usos Exclusivamente Pacíficos da Energia Nuclear, que instituiu a Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (ABACC), único mecanismo binacional de salvaguardas nucleares em todo o mundo; (2) Tratado de Tlatelolco - que estabelece a América Latina e o Caribe como zona livre de armas nucleares; e (3) Tratado sobre a Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP). É ainda signatário do Tratado para a Proibição de Armas Nucleares.
O País coopera estreitamente com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e com a ABACC, cumprindo rigorosamente, no âmbito do Acordo Quadripartite, todas as obrigações internacionais em matéria de salvaguardas.
O Brasil mantém e manterá sua trajetória histórica de defesa do desarmamento nuclear, da não proliferação e da promoção do uso da energia nuclear para fins exclusivamente pacíficos, de desenvolvimento e de bem-estar da humanidade.
A proliferação de armamentos nucleares não fortalece a segurança regional - ao contrário, fragiliza os mecanismos de confiança mútua e cooperação que têm sido pilares da integração latino-americana e caribenha. O próprio Ministro Alexandre Oliveira emitiu, oportunamente, nota de esclarecimento a esse respeito, assim como o próprio Ministério das Relações Exteriores encaminhou instruções reiterando a inequívoca posição brasileira nessa matéria a nossa delegação permanente em Viena junto à Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).
Como afirmou o Presidente Lula, em seu discurso à AGNU, vivemos um momento crescente de polarização e instabilidade na América Latina e Caribe. Manter a região como zona de paz é nossa prioridade. Somos um continente livre de armas de destruição em massa, sem conflitos étnicos ou religiosos.
A estabilidade da América Latina e do Caribe depende da preservação de seus valores pacíficos e da rejeição clara a qualquer forma de militarização que possa comprometer o futuro das próximas gerações.
No entendimento de que tratei, aqui, dos requerimentos levantados, permaneço à disposição para eventuais dúvidas e esclarecimentos.
Muito obrigado.